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[Resenha] Amor Até Debaixo D’Água — Torre DeRoche

Essa é uma daquelas histórias reais que a gente vê em programinhas da tarde na televisão e parece coisa de filme. A mulher que a viveu, a mesma que agora narra os acontecimentos nesse livro, descreve a si mesma como uma aventureira temerosa. E quer saber? Deve ser mesmo. Eu, pelo menos, não ouso duvidar depois depois da leitura de “Amor até debaixo d’água”.

Em sua obra de estreia, Torre conta como saiu da Austrália prometendo à família ficar ausente por apenas 1 ano e acabou numa aventura em alto mar com o argentino de sua vida. É claro que ela nem imaginava conhecer num bar de San Francisco aquele por quem apaixonaria. O grande obstáculo, porém, era a iminente partida de Ivan numa viagem de barco ao redor do mundo. Torre, com pavor do mar e sem qualquer conhecimento de navegação, mas determinada a ficar com o homem de seus sonhos, então precisa escolher entre vê-lo partir ou acompanhá-lo nessa jornada. Loucura ou não, eis que ela escolhe deixar para trás a vida urbana para viver por um ano no oceano Pacífico, onde luta para salvar o barco, manter o relacionamento e continuar sã com as provações entre os paraísos naturais do caminho.

— Ivan? E se o barco afundar?
— Eu já disse, apertamos o botão que ativa nossa localização por GPS, entramos no bote salva-vidas e…
— Mas… e se algo acontecer e nós… morrermos?
  Ele me olha e diz, sem hesitar:
— Algumas pessoas morrem de velhice sem nunca ter vivido seus sonhos. Algumas pessoas morrem sem nunca ter amado. Isso é trágico. Nós dois vamos morrer um dia, isso é garantido. Se acontecer alguma coisa enquanto estivermos no mar, vamos morrer como duas pessoas apaixonadas numa aventura extraordinária. É um bom jeito de morrer.
  Diante disso, me calo, concordo e me rendo.

“Amor até debaixo d´água” é meio biografia, meio diário de bordo e meio romance despertador de suspiros. Não fosse a informação logo na capa de que se trata de uma história real, poderia facilmente convencer como uma deliciosa ficção. Não muito longe disso, se trata de uma deliciosa não-ficção.
Algumas cenas são impagáveis. Posso citar, por exemplo, o pai hippie e roteirista de filmes de terror de Torre testando o quanto as criações eram assustadoras nas cinco filhas pequenas. Ou a avó que lhe enviava cartões de aniversário artesanais com fotos de mexicanos nus em prais tropicais desde pequena. E tem ainda o momento em que ela descobre que Ivan é de uma família argentina de sobrenome russo e judia, porém ateus. Isso para não citar as tiradas e as piadinhas da narradora. Impossível não se divertir.
Quando começa a viagem a bordo do barco batizado de Amazing Grace (ou Gracie), é como se o leitor pudesse ver as paisagens do casal e viver as mesmas experiências. O romance é um amorzinho, um doce, mas as provações também são muitas. Enquanto eles navegam pelo mar, nós navegamos por diferentes emoções: ansiedade, medo, empolgação, frustração, tristeza, felicidade… Tudo no aguardo do que o final do livro tem a revelar.

Em terra, com empregos, responsabilidades e amigos distintos, existe uma diferença entre “eu”, e “você”, entre “sua culpa” e “minha culpa”. Mas tais divisões se tornam imprecisas quando levantamos âncora e seguimos em direção a um horizonte vazio, juntos numa embarcação um pouco maior do que uma banheira flutuante. A cada vez, antes de nos prepararmos para mais uma travessia, antes de atarmos nossa vida de um modo precário, temos de assumir um compromisso sagrado e tácito. Eu confio em você. Você confia em mim. Eu protejo você. Você me protege. Nossas vidas se entrelaçam inseparavelmente, e há uma fusão entre “eu” e “você” e “Gracie“, passando a existir somente “nós”. Nós somos uma única entidade flutuante, que luta para sobreviver.

“Amor até debaixo d”água” é uma feito de beleza, pegando emprestado o encanto, principalmente, do amor e da superação. Essa beleza se estende até para a diagramação, feita com páginas brancas e azuis, ondas nos detalhes sob a numeração das páginas, barquinhos marcando o início de cada capítulo, mapa da viagem etc. Recomendo! O mínimo sobre navegação à vela eu já sei.


Título original: Love With A Chance Of Drowning
Número de páginas: 360
Editora: Verus

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